Reproduzo a deliciosa coluna de Gaudêncio Torquato, publicada no
site Migalhas.
Gosto muito da análise que ele faz do cenário político nacional... Vale a pena visitar o site também.
Atenção para o trecho que destaco em azul...
Blessed
be...
Porandubas
Políticas
por Gaudêncio
Torquato
Porandubas
nº 432 (quarta-feira,
11 de fevereiro de 2015)
Água, água
Nesses tempos de falta
d'água, uma deliciosa historinha sobre o "precioso líquido", que vem
dos confins da gloriosa PB :
Brejo das Freiras é uma
Estância Termal nas lonjuras da PB, lá perto de Uiraúna e Souza. Trata-se de um
lugar para relaxamento e repouso. O governo da PB tinha (não sei se ainda tem)
um hotel, com uma infraestrutura para banhos nas águas quentes. Década de 70.
Apolônio, o garçom, velho conhecido dos fregueses da região, recebe, um dia, um
hóspede de outras plagas. Pessoa desconhecida. Lá pelas tantas, quase
terminando a refeição, o senhor levanta a mão, chama Apolônio e pede :
– Meu caro, quero H2O.
Susto e surpresa. Anos e anos de serviços ali no
restaurante e ninguém, até aquele momento, havia pedido aquilo. Que diabo seria
H2O ? Apolônio,
solícito :
– Pois
não, um instante !
Aflito, correu na direção da
única pessoa que, no hotel, poderia adivinhar o pedido do hóspede. Tratava-se
de Luiz Edilson Estrela, apelidado de Boréu (por causa dos olhos grandes de
caboré), boêmio e galanteador, acostumado aos salamaleques da vida.
– Boréu, tem um senhor ali pedindo H2O. O que é isso ?
Desconfiado, pego sem jeito,
Boréu coça o queixo, olha pro alto, tenta se lembrar de algo parecido com a
fonética e, desanimado, avisa :
–
Apolônio, sei não. Consulte o Freitas.
Freitas era o diretor do
grupo escolar, o intelectual da região. Localizado, o professor tirou a dúvida
no ato :
– H2O é água, seus imbecis. Quer dizer água. Água.
Ignorantes.
Apressado, Apolônio socorreu
o freguês com uma jarra do líquido. Depois, no corredor, glosando o feito,
gritou em direção a Boréu :
– Ah, ah,
ah, esse sujeito lascou-se. Achava que nós não sabia ingrês.
As crises e a índole
As crises se integram para
formar as nuvens de uma tempestade perfeita : crise econômica, com recessão e
retração do PIB em 1% este ano ; aumento de impostos ; juros altos ; poder de
compra reduzido, etc. Crise política, com rebuliço no Congresso, a partir da
relação de nomes envolvidos no petrolão ; nova legislatura, com presidente da
Câmara eleito contra a vontade do Palácio do Planalto. Crise hídrica, com a
falta de chuva secando o poço da imagem dos governantes e mexendo com o ânimo
dos consumidores. Crise energética, com grandes riscos de apagões no segundo
semestre deste ano. Crise social, com as ruas infladas de movimentos
indignados. Crise de confiança. Crise de credibilidade. Que isso tem a ver com
a índole dos governantes ? A índole contribui para apertar os cinturões das
crises ? Resposta : sim !
A índole de Dilma
Dilma, a mandatária-mor, tem
ojeriza à política nos moldes como nossa cultura ordena : balcão de
recompensas, troca-troca, benefícios, votos sob influência do orçamento, cargos
nas estruturas do governo, etc. O corpo político sabe disso. E aproveita para
jogar mais lenha na fogueira. Se a presidente não tem disposição para cozer o
feijão com o arroz da política, que arrume bons cozinheiros para sua cozinha.
Ora, ela escolheu três gourmets gulosos : Aloizio Mercadante, Pepe Vargas e
Miguel Rossetto. Que não são craques na articulação política. Falta-lhes o jogo
de cintura. Por isso mesmo, a imagem do governo vai mal. E a presidente, com
sua índole, contribui para expandir os atritos e conflitos.
A imagem dos governos
A imagem dos governos é a
projeção de sua identidade. E a identidade é a soma dos conteúdos – ações,
programas, promessas, rotinas, processos, sistemas, projetos, etc. Se os
conteúdos não estão se desenvolvendo a contento, não há milagreiro que possa
melhorar a imagem dos governos. Não há comunicação capaz de provar que o Brasil
está vivendo momentos de fartura : água, energia, bons transportes, alimentos
baratos, felicidade geral. O engodo não resiste à realidade. Não se tapa o sol
com peneira. Os buracos não deixam. A imagem é, portanto, resultado do que se
faz, do que se opera, do que se percebe. E a cognição social sobre o governo
Federal não é boa.
Limpando a imagem
O que se pode fazer é uma limpeza
periódica no painel da imagem. Nesse caso, os comunicadores dos governos devem
trabalhar com as cinco pernas do marketing institucional : a pesquisa, o
discurso, a comunicação, a articulação e a mobilização. Pela pesquisa,
identificam-se os pontos positivos e negativos da imagem. O discurso precisa
ser composto a partir dos inputs da pesquisa. Nesse ponto, cabe lembrar que o
discurso comporta programas e projetos mais adequados para responder às
demandas sociais. A comunicação abre as pontes do governo com a sociedade,
levando suas ideias e intenções. A articulação complementa o esforço de
ajustamento com os exércitos da política e dos movimentos sociais. E, por
último, a mobilização é o motor que gira a agenda dos governantes : visitas às
regiões, contatos com as massas, encontros com grupos organizados, etc.
Quem pensa assim ?
Perguntinha do momento : há alguém no governo que pense
dessa forma ? Há alguém que entenda de comunicação e marketing como ferramentas
estratégicas ? Quem faz a ligação entre os elos – pesquisa, discurso,
comunicação, articulação e mobilização ? Thomas Traumann, o ótimo jornalista da
grande mídia ? Mercadante, um ex-senador com fama de auto-suficiente ?
Rossetto, um quadro da militância preocupado em abrir diálogo com os movimentos
sociais ? Ou João Santana, o perito na arte publicitária, produtor de firulas
nas campanhas de propaganda ? Comunicação governamental é algo mais complexo
que campanha publicitária ou briefings jornalísticos
para orientação da presidente.
O périplo de Lula
Lula está montando sua
estratégia para tentar resgatar o vetor de peso da presidente Dilma. Como se
viu pela pesquisa Datafolha, ela perdeu 40 pontos na boa avaliação. Lula vai
viajar Brasil afora, mas em vez de rápidas passagens, deverá permanecer nas
regiões alguns dias e mesmo semanas. Tentativa de correr o interior dos
Estados, falando com prefeitos, vereadores e lideranças políticas e
institucionais, a par de movimentos sociais. É claro que nessa nova caravana do
lulismo, ele estará jogando seu nome nas ruas. Se essa for realmente a ideia,
há um lado perverso na estratégia : antecipa o final do governo Dilma. O Volta,
Lula assumirá maior visibilidade que o governo Dilma.
A estética
À guisa de provocação : Você
imaginaria Jesus Cristo sem barba ? E Abraham Lincoln, seria o mesmo sem a
barba ? Que tal um Ghandi cabeludo ? Elvis Presley sem o topete teria o mesmo
charme ? O código estético é o primeiro a se infiltrar na mente.
Geraldo cai
Geraldo Alckmin também caiu
na lorota de afirmar, por vezes seguidas, que não haveria falta d'água em SP.
Teve queda de 10 pontos na imagem positiva. Pois bem, o racionamento já
começou, apesar da tentativa do governo de disfarçar a decisão. No melhor
cenário, se chover muito, a água vai faltar lá para os meados do segundo
semestre. O que exigirá forte racionamento, algo como cinco dias de
racionamento por dois dias de água na torneira.
PMDB e PT
Não interessa ao PMDB
discutir coisas como impeachment, etc., como muitos pensam. O que há é muita
especulação em torno do tema. Interessa mais que o PT deixe a arrogância de
lado e seja mais parceiro dos partidos de base.
Levy segura a peteca ?
Gente de estofo na economia
garante que o esforço de Joaquim Levy dará com os burros n'água. A retração
puxará o PIB para a banda negativa. Sem crescimento, o país ficará patinando.
Sem sair do lugar. Desemprego, nesse cenário, expandiria o Produto Nacional
Bruto da Infelicidade.
Três historinhas
1. Condenado à morte por corromper a juventude, Sócrates, o
filósofo, recusou a oferta para fugir de Atenas sob o argumento de que seu
compromisso com a polis não lhe permitia transgredir as regras. Os gregos
cultivavam o respeito à lei.
2. Lúcio Júnio Bruto, fundador da República Romana,
libertou seu povo da tirania de Tarquínio, derrubando a monarquia. Mais tarde,
executou os próprios filhos por conspirarem contra o novo regime. Pregava o
poeta Horácio : "Doce e digno é morrer pela Pátria".
3. Outro romano, rico e matreiro, conta Maquiavel no Livro
III sobre os discursos de Tito Lívio, deu comida aos pobres por ocasião de uma
epidemia de fome e, por esse ato, foi executado por seus concidadãos. O
argumento : pretendia tornar-se um tirano. Os romanos prezavam mais a liberdade
do que o bem-estar social.
O melhor enredo ?
Os relatos sugerem a
seguinte pergunta : qual dos três personagens se sairia melhor caso o enredo
ocorresse dentro do cenário da política contemporânea ? O terceiro, sem dúvida.
Não seria executado por alimentar a plebe, mas glorificado, mesmo que por trás
da distribuição de alimentos escondesse a intenção de alongar um projeto de
poder. Essa é a hipótese mais provável em países, como o Brasil, de forte
tradição patrimonialista e com imensas parcelas marginalizadas e carentes.
FHC no Lava Jato ?
O ministro José Eduardo Cardozo,
da Justiça, afirma que a era FHC também entra na Operação Lava Jato. É o caso
de conferir. Cada ciclo deve ter suas contas abertas.
Em Cuba
A propósito, Fernando
Henrique e sua mulher passarão o carnaval em Varadero, em Cuba, a charmosa
praia cheia de hotéis cinco estrelas, que os cubanos não podem frequentar. Terá
encontro com Fidel ? Não pensem nisso. A imagem seria um estraga-prazer no
carnaval dos tucanos.
Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho é o
fulcro dos gargalos no Judiciário. Acusada de expandir a burocracia e de
legislar. Esforça-se para segurar velhos processos e métodos com o objetivo de
evitar perda de poder. Quanto mais poder de punição, mais forte fica. Daí ter
se posicionado contra novas regras para a flexibilização das relações capital/trabalho.
600 emendas
A MP com mudanças na
legislação trabalhista deverá receber uma enxurrada de 600 emendas no
Congresso. Vai ser difícil alcançar consenso.
PEC da Bengala
A PEC da bengala começa a
andar. Já não se trata de hipótese impossível a aposentadoria dos juízes aos 75
anos.
Ativos e passivos
John Stuart Mill, um dos pensadores liberais mais
influentes do século 19, classificava os cidadãos em ativos e passivos,
aduzindo que os governantes preferem os segundos, mas a democracia necessita
dos primeiros. A comparação do filósofo inglês, pinçada por Norberto Bobbio em
seu livro "O Futuro da Democracia", expressa, ainda, a ideia de que
os súditos são transformados num bando de ovelhas a pastar capim uma ao lado da
outra. Ao que Bobbio acrescenta : "Ovelhas que não reclamam nem mesmo quando o capim é escasso".
Pois bem, por estas bandas, apesar do capim farto, equinos, caprinos e bovinos
rompem o cabresto e saem dos currais. E mais, não querem ser comparados a
animais irracionais e dóceis. A notícia boa é que a imagem acima desvenda um
Brasil cidadão que decidiu expurgar o passado do voto amarrado à distribuição
de benesses e à opressão dos senhores feudais da política.
À guisa de conclusão
"Misia Sert dominava a
arte de caçar moscas. Estudava pacientemente os modos destes animais até
descobrir o ponto exato em que havia de introduzir a agulha para pregá-las sem
que morressem. Exímia na arte de fazer colares de moscas vivas, entrava em
frenesi com a celestial sensação do roçar das patinhas desesperadas em seu
colo."
Conto de Elias Canetti. Um
flagrante das esquisitices humanas.
E
assim caminha a humanidade...
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