by Ginnungagap

Afirmar é não negar, mas não negar não é afirmar!! O contrário também é verdadeiro.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Saber a hora de parar

O Caso de Abel Braga e uma reflexão sobre a hora de parar.


Não vou entrar na questão da previdência, nem levantar questões que possam suscitar "paixões políticas". Antes, minha intenção aqui é provocar uma reflexão sobre o momento de dar um passo atrás, de parar o que está fazendo e, para quem puder, parar de vez ou, para quem não puder, recomeçar em outro caminho. Tampouco pense que este post é sobre futebol, embora eu vá falar bastante sobre ele.


Afinal, o que me motivou foi o momento atual do futebol brasileiro, mais especificamente dos técnicos brasileiros de futebol, ainda mais especificamente de um técnico em particular: Abel Braga, que hoje treina o outrora glorioso Clube de Regatas Vasco da Gama.


Vamos ao contexto:


Que o futebol brasileiro veio decaindo de qualidade nas últimas, digamos, duas décadas, é inegável. Mesmo para quem não "respira futebol", como meu irmão @Marcello Escobar, o declínio de nossa posição no cenário mundial acontece à olhos vistos.


Posso dizer que o último time de futebol que nos representou, que nos deu orgulho, que estimulou paixão e que é decantado em prosa e verso até hoje, foi a seleção nacional de 1982. Isso mesmo, 1982!! E o time foi eliminado da Copa do Mundo daquele ano. Ok, os mais jovens podem me acusar de saudosismo, dizer que a seleção de 2002 foi grandiosa também, não vamos discutir isso. Pode ser mais do que opinião, mas aqui estou dando a minha.


O futebol brasileiro sempre foi caracterizado pela "molecagem", pela ousadia, pela coragem de tomar a iniciativa, de correr riscos, foi... apenas foi.


Nossos dirigentes passaram a exigir dos técnicos resultados e apenas resultados. Grandes clubes começaram a demitir técnicos com menos de 6 meses de trabalho. Novamente, "tudo bem", dirão alguns. Numa empresa privada, fazemos contratos de 3 meses de experiência, período no qual podemos ser demitidos sumariamente (e pedir demissão também!). Mas, pense um pouco, quantas pessoas em "todos esses anos nessa indústria vital" você viu serem demitidas nos primeiros três meses de contrato por incompetência? Eu nunca vi!


Com a comercialização do futebol, com essa política imediatista e midiática com a necessidade de resultados e, principalmente com a instabilidade da posição de técnico de futebol, nosso futebol mudou. Os técnicos se acorvardaram e passamos a ver e achar normal times buscarem o resultado a qualquer custo. Não importa jogar bonito ou jogar feio, importa ganhar. Aqui, poderíamos fazer uma reflexão sobre a "desromantização", a vulgarização e a "descartabilização" do mundo. Mas isso fica para outro post.


Ficou normal e "fez escola", a "estratégia" (ponha mais aspas) de "jogar por uma bola", de buscar a vitória mínima, fazer um gol e recuar para se defender. Times grandes passaram a fazer isso contra pequenos e a torcida aceitou isso como normal.


Abel Braga é um homem que tem história no esporte. Nunca foi um jogador espetacular, mas sempre foi exemplo, foi um vencedor, encerrou sua carreira como defensor e virou técnico. Defensores transformam-se, por regra, em bons treinadores. Como treinador, o "professor" Abel se saiu muito bem, tido como "paizão" pelos jogadores, teve uma carreira vitoriosa, conquistou um título mundial com o Internacional, vencendo nada menos do que o poderoso Barcelona (ok, não era tão poderoso assim).


Só que Abel Braga se transformou em treinador no momento errado. Virou treinador, nesse ambiente de instabilidade e cobrança exarcebada por resultados. O próprio título mundial que conquistou foi a coroação desse estilo. Vitória mínima, numa única chance aproveitada. Em 2018, Abel fez um trabalho razoável com um time fraco do Fluminense futebol clube. Trabalho elogiado que o manteve no nível de "grande treinador", de "medalhão" do futebol brasileiro. Mas uma tragédia o atingiu. Abel perdeu seu filho, mas continuou trabalhando. Amparado pela torcida e pelos jogadores do Fluminense que passaram a se esforçar ainda mais em nome do seu comandante.


A perda do filho, tornou Abel Braga numa figura ainda mais querida, mais "paparicada", a empatia tomou conta de repórteres e jogadores/cronistas que passaram a elogiá-lo e defendê-lo.


O trabalho no Fluminense credenciou para dirigir o Clube de Regatas Flamengo. Um clube que amargava 6 anos de "quase títulos", mas que passara por uma reestruturação financeira, um processo de saneamento, que colocaria o time numa situação diferente no cenário nacional.


Mas espere... preciso voltar um pouco... algo mudou.


No começo de 2019, um argentino baixinho e careca de nome Jorge, Jorge Sampaoli, que fora campeão da América com o Chile, que fizera um trabalho questionável com a Argentina na Copa do Mundo, surgiu no cenário Nacional.


Abel Braga dirigia o Flamengo, com diretoria nova, jogadores novos e ânimo novo... ânimo novo? Nem tanto.


Enquanto Sampaoli dava ao time do Santos um padrão de jogo alegre, ofensivo, "inovador" e despertava a ira do corporativismo dos técnicos nacionais, chegando a ser criticado pelo fato de andar de bicicleta e ter tatuagens, Abel consegue no Flamengo, com seu estilo defensivo e feio, números até bons, mas não encantava a torcida.


Após perder duas vezes e dizer que "Isso é normal", Abel ficou sem clima e, no meio do ano, o Flamengo foi a Portugal buscar outro Jorge... Jorge JESUS!!


Trocadilhos religiosos à parte, o que aconteceria a seguir cabe em outro post, JESUS (cujo assistente era e é ninguém menos do que João de Deus) "ressuscitou" o Flamengo. Levou o time ao título da América depois de 39 anos, ganhou o campeonato nacional com uma distância de 19 pontos (equivalentes a 6 vitórias e 1 empate) de vantagem para o segundo colocado, o Santos, do primeiro Jorge. O Flamengo teria sido o campeão, mesmo que Abel não tivesse conseguido 1 ponto sequer.


Os dois Jorges abalaram o mercado de técnicos brasileiro. Mostraram que é possível o Brasil voltar a jogar com alegria, leveza, ousadia, aquele futebol intrépido que foi abandonado... tá bom, em 2002, lá se vão quase duas décadas.


Os medalhões do futebol brasileiro foram expostos e, com eles, toda a mídia que os endeusava e os credenciava como grandes treinadores. (Cabe um parêntese: O Brasil não emplaca um técnico em um grande clube do exterior, nem em mercados medianos, há uma década e meia, desde Vanderlei Luxemburgo em 2005, no Real Madrid. (Passagem que também merece outro post).


Então, e o Abel?


Depois da saída desastrosa do Flamengo, Abel foi dirigir o meteoricamente descendente Cruzeiro. À beira da segunda divisão (para a qual viria a descer) o time azul de Minas chamava o comandante para tentar recuperar um time desestabilizado por panelinhas, salários atrasados, com falta total de motivação... Não conseguiu. Com três vitórias, quatro empates e uma derrota (novamente, números até regulares, mas insuficientes), Abel deixou o Cruzeiro faltando 3 rodadas para o final do campeonato, enterrado na Zona de Rebaixamento.


Quando é a hora de parar?


Abel Braga talvez precise trabalhar. Não do ponto de vista financeiro (é só uma especulação, não tenho dados para afirmar isso!). Ele já está certamente garantido. Talvez precise, porque o trabalho, de verdade, mantém o cérebro ativo, mantém o "sopro" de vida, traz a sensação de utilidade para o mundo. Ele precisaria trabalhar como treinador? Esse é o mote desse artigo, toda essa volta para lhe trazer a esta reflexão. Adianto que não vou responder à pergunta. Vou analisar as possibilidades, vou narrar os fatos, sob a minha ótica e, sim, indicar o que penso, mas lhe deixar à vontade para tirar suas próprias conclusões.


Abalado pela perda do filho, tendo saído muito mal dos dois últimos clubes que treinou, nitidamente desatualizado no esporte, sem necessidade financeira de trabalhar. Por que, Abel Braga voltaria à beira de um gramado? À pressão de um vestiário, para provar o quê? Por que por em risco uma história de vitórias, por que desprezar uma campanha fraca, ainda assim digna para terminar a carreira? Deixo-lhe as perguntas que me faço. Sem julgamento de valor, após a maioridade, após tomar suas vacinas (ou não!) as pessoas são responsáveis pelo que fazem e também são quem sofre as consequências.


No começo desse ano, Abel Braga resolveu assumir o comando do Clube de Regatas Vasco da Gama, atendendo ao pedido do presidente do clube que é seu amigo. Outro clube com problemas para pagar salários, outro clube com dificuldade para manter jogadores, outro clube com um caminho complicado, cheio de obstáculos para percorrer. Clube onde se destacou quando era jogador há mais de 30 anos.


Inflado com o "prestígio" de ainda ser chamado para um clube grande e, talvez "emprenhado pelo ouvido" por amigos não tão amigos, Abel se traveste de uma vaidade inesperada e diz que o Flamengo lhe deve pelas conquistas dos títulos.


Começa o ano e o Vasco não começa bem. No primeiro confronto contra o grande rival, o Flamengo, que joga com um time de aspirantes, Abel coloca também seus aspirantes. Alega que está "aproveitando" para fazer experiências, mas muitos analistas (e eu também acho) que ele, mais uma vez, se acovardou e não quis correr o risco de pôr seu time principal e perder para meninos do Flamengo.


Na sexta-feira, 31/01/2020, o Vasco jogou uma partida contra o pior time do campeonato carioca no momento, a Cabofriense... e perdeu. No domingo, com um time “remendado” perdeu um clássico para o Botafogo, desclassificando o time da disputa pela Taça Guanabara (o primeiro turno do campeonato estadual).


Abel parece perdido, suas entrevistas pós derrotas servem de motivo de galhofa na imprensa. "O jogo foi lindo", "Gostei do time", "Tenho orgulho do time".


Abel Braga foi xingado pela torcida do Vasco, deve sair muito queimado do clube... Com um pouco de sorte, o amigo presidente faz-lhe uma homenagem, dá-lhe uma placa, pelos serviços prestados ao clube


Eu não posso me dar ao luxo de parar de trabalhar. Muitos trabalhadores também não podem e não poderão. Mas Abel podia... e não o fez.


Por quê? Quando é a hora de parar?


Fique bem.